UNICAMP Fernando Galembeck  
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Áreas de interesse e Pesquisa

 

ÁREAS DE PESQUISA

    Para expor o contexto em que se situam minhas linhas de pesquisa e as idéias que guiam o meu trabalho atual, transcrevo a seguir a Introdução do projeto do Instituto do Milênio de Materiais Complexos, recentemente aprovado pelo CNPq, do qual sou o coordenador. Após este texto está uma nota histórica sobre as áreas trabalhei, seguida de uma descrição mais específica das minhas linhas atuais.
O CONTEXTO E AS IDÉIAS CENTRAIS

(Introdução do Projeto do Instituto do Milênio de Materiais Complexos, 2001)

    O problema abordado neste projeto é o desenho e síntese de materiais funcionais complexos, que sejam adequados à construção de dispositivos e estruturas através de um desenho apropriado nas escalas molecular, macro e supramolecular, coloidal e macroscópica. As matérias-primas usadas devem ser compatíveis com os conceitos de desenvolvimento e de consumo sustentáveis, sendo processadas pelas técnicas de auto-organização, de construção de supramoléculas e de formação de estruturas, tanto em condições de equilíbrio como fora de equilíbrio.
    A idéia de molécula foi bem desenvolvida pelos químicos no século 19, e no século 20 foi amplamente adotada nas outras áreas da ciência. Evoluiu no início do século 20 até às macromoléculas, e em meados do século até as supramoléculas. Por sua vez as noções de auto-ordenamento e de estruturas fora de equilíbrio e sucessos importantes na teoria e na metodologia computacional permitiram o trato de sistemas cada vez mais complexos, como as nano e mesoestruturas, os compósitos, catalisadores, absorvedores e outros sólidos, e todas as classes conhecidas de matéria "mole" e "dura". No limite oposto, estão os sistemas químicos mais simples cuja dinâmica química torna-se conhecida em detalhe crescente, experimental e teoricamente. Estas idéias e ferramentas geram novos conceitos, produtos e dispositivos em um ritmo muito rápido, fazendo da Química de Materiais uma rica fronteira científica e tecnológica da atualidade. Ela se comunica com  todas as ciências da matéria e da vida, e com todas as áreas tecnológicas, uma vez que as novas tecnologias mantêm uma estrita dependência de novos materiais, sejam os previamente desenhados e planejados para desempenharem uma ou mais funções, sejam os descobertos por serendipitia. A Química de Materiais oferece portanto grandes oportunidades de trabalho, e é também uma vigorosa ferramenta de todo o desenvolvimento científico e tecnológico.
    A criação de muitos novos materiais, que devem ser complexos mas baratos, é exigida pelo quadro atual da sociedade brasileira, em que uma grande parte da população vive em condições sub-humanas e quase toda a população aspira ao padrão de consumo dos países desenvolvidos. Essa aspiração não pode ser atendida usando materiais e processos atuais, seja por falta de recursos, seja porque os esforços no seu atendimento colocariam uma pressão insuportável sobre os recursos naturais do planeta. Portanto, é necessário criar materiais para viabilizar a melhoria da qualidade de vida de todos os segmentos sociais, de uma maneira sustentável.
    As contribuições econômicas e sociais potenciais do projeto são: aumento e qualificação da atividade de produção de materiais úteis em vários setores (comunicações, construção civil, conforto ambiental, produção de água potável e de alimentos, descontaminação do ambiente, água e de efluentes, geração e economia de energia), em números crescentes de empresas que forneçam para cada vez mais pessoas. Esses novos materiais contribuirão para resolver um paradoxo da indústria química brasileira: esta é hoje o segundo mais importante segmento da indústria de transformação no Brasil, sendo suplantada apenas pela indústria de alimentos e bebidas. Embora seja moderno e competitivo, o setor industrial químico é responsável pelo maior déficit de comércio exterior da indústria de transformação brasileira, estimado em US$7.5 bilhões em 2001. Isso tem duas causas: o seu pequeno crescimento recente e, principalmente, um portfólio em que pesam demais os produtos de baixo valor unitário.
    A indústria química tem mudado em todo o mundo, valorizando os produtos de elevado conteudo científico em uma escala sem precedentes ao mesmo tempo em que a produção de muitas commodities se expandiu, tanto nos países centrais como nos periféricos. Esta indústria enfrentou a partir dos anos 60 muitas dificuldades perante governos e o público, devido aos seus próprios erros. Essa situação levou a profundas alterações nos portfólios de P&D das empresas, com o desaparecimento de algumas linhas de produtos e o crescimento de outras. Nos anos 90, no contexto da globalização e da emergência das biotecnologias, teve início um amplo processo de reorganização da indústria química mundial, que continua. Esse processo consistiu em drásticas mudanças de orientação, com um grande crescimento das perspectivas dos produtos biotecnológicos em detrimento de produtos resultantes de alguns processos químicos mais tradicionais porém de altos custos ambientais. Apesar disso, a produção da indústria química de base e de especialidades seguiu crescendo em taxas iguais ou superiores às do crescimento geral da economia dos países desenvolvidos, e todos os países desenvolvidos se esforçam para manterem balanços de pagamentos positivos, no setor químico.
    As tecnologias da informação estão criando um grande número de oportunidades para novos produtos químicos funcionais, que revolucionam a fabricação de transdutores, memórias, telas e monitores, emissores de luz e som e componentes semicondutores. A demanda dos setores de saúde, alimentação, transportes e construção civil por novos produtos químicos cada vez mais sofisticados embora frequentemente muito baratos é sempre crescente. Tal demanda tem sido respondida por desenvolvimentos muito rápidos, viabilizados pelos progressos metodológicos em simulação e modelagem, em síntese (em especial, a combinatória), em metodologias de ensaio e avaliação de alta produtividade (high-throughput screening) e, principalmente, por uma crescente integração entre as demandas e as ofertas de novo conhecimento.
    Vivemos uma fase de mudança de paradigmas, no sentido de Kuhn, em toda a atividade científica. Os fatores são múltiplos, destacando-se dois: as novas ciências da complexidade e as tecnologias da informação. A Complexidade tem afetado muito a Física e todas as ciências da Engenharia[1] . O seu impacto sobre a Matemática foi impressionante, levando à criação da Matemática experimental. No caso da Biologia, sistemas complexos atraíram especialmente a atenção de ecologistas, mas a desatenção de outros à Complexidade explica a recente frustração de muitas pessoas com o fato de o genoma humano não ser pronunciadamente diferente do genoma de bactérias. A (relativamente) pequena diferença entre o genoma da espécie humana e o de outras espécies pode surpreender aos que sempre deram excessiva importância à informação e aos primeiros princípios[2], mas não surpreende aos biólogos e bioquímicos que já anunciavam que o domínio do Genoma apenas tornaria ainda mais importante conhecer o Proteoma e a Biologia Química, no sentido usado por Otto Gottlieb, para que houvesse o efetivo domínio de funções biológicas.
    Por outro lado, a Complexidade surpreende menos aos químicos, porque estes sempre conviveram com ela, como destacou Whitesides[3]. Podemos dizer que o mundo científico chegou nos últimos vinte anos, por este caminho, exatamente a um território que os químicos sempre habitaram. Nesse território a Química se desenvolve com crescente vigor, agora também graças às novas ferramentas formais dos próprios sistemas complexos mas principalmente devido à crescente acumulação e superação de conhecimento realizada em todo o século 20, particularmente nas suas últimas décadas.
    As prioridades do projeto são materiais que, pelas suas características muito inovadoras, possam produzir mudanças importantes em muitas áreas: híbridos orgânico-inorgânicos para revestimento, impermeabilização e conforto térmico, luminoso e acústico, em habitações; superabsorvedores para depuração de água e efluentes; materiais para eletrônica supramolecular e optoeletrônica. Outra prioridade é o uso de matérias-primas de fontes renováveis e de processos “verdes”, que agreguem valor a produtos únicos mas hoje disponíveis a baixo preço, como o látex de seringueira. A abrangência geopolítica é muito grande, já que o setor químico brasileiro tem bases importantes nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, e há muitas oportunidades de desenvolvimento nas duas outras regiões do país, e o projeto estará sendo executado em doze departamentos das regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Sul.
    Os segmentos da sociedade interessados na solução do problema são todos, exceto os grupos oligárquicos interessados na perpetuação do injusto status-quo da sociedade brasileira, ou alguns setores empresariais atrasados, que sobrevivem exatamente devido à persistência de muitas tecnologias antiquadas, baseadas em materiais que podem e devem ser substituídos por outros materiais, mais sofisticados e baratos.
    As perdas e prejuízos ambientais causados pelos problemas são muitos: poluição ambiental rural e urbana, falta de monitoramento do ambiente, de água e alimentos, falta de segurança alimentar, custos excessivos de muitos bens essenciais, inclusive os bens de telecomunicações e informática que os tornam inacessíveis, agressão à floresta tropical úmida, por falta de aproveitamento nobre dos seus produtos.
[1] Science 284 (5411) 2 de abril de 1999. Número especial, contém vários artigos sobre Complexidade e Sistemas Complexos.
[2] Rafael Echeverria, El Buho de Minerva, Dolmen, Santiago, 1997
[3] GM Whitesides e RF Ismagilov, Complexity in Chemistry, Science 284 (1999) 89-92
NOTA HISTÓRICA    
Iniciei meu doutorado trabalhando em Soluções (pontes de hidrogênio, equilíbrio químico), no pós-doutorado estudei fenômenos de interações enzima-substrato e enzima-inibidor, em uma perspectiva de Biofísico-Química. Em 1976 passei a estudar fenômenos de Colóides e Superfícies, iniciando linhas que continuam até hoje, agora em um contexto de Química de Materiais.
LINHAS DE PESQUISA ATUAIS    
Os problemas a que me dedido agora são: a microquímica e macroiônica de dielétricos, o auto-ordenamento e formação de filmes de partículas, a coesâo e a adesão de materiais, a síntese e propriedades de nanopartículas.     Uma grande parte do esforço atual está dirigido ao aproveitamento de um avanço recente e original do meu grupo, que foi a obtenção de mapas de distribuição de potenciais elétricos em polímeros. Estes mapas mostram que polímeros comuns, como o polietileno e poliestireno apresentam domínios com excessos de cargas elétricas. Antes desse trabalho, havia evidências da existência desses domínios mas a sua detecção e a quantificação dos potenciais não haviam sido obtidas. Esses resultados despertaram uma questão nova: as propriedades de polímeros sintéticos têm sido, quase sempre, interpretadas ignorando os excessos locais de cargas elétricas. A demonstração da sua existência e a sua quantificação nos deverá permitir um novo entendimento das propriedades de plásticos e borrachas.     Em outra linha, tratamos de géis e vidros de fosfatos, que já produziu numerosos resultados científicos e tecnológicos. Géis são muito usados e pouco compreendidos, e o nosso trabalho recente levou à descoberta de um fenômeno muito fundamental, a separação de fases líquido-líquido em soluções iônicas. De fato, alguns teóricos haviam previsto, há muitos anos, a ocorrência deste tipo de separação de fases em soluções iônicas concentradas (por exemplo, água e sal), em altas temperaturas. No meu grupo demonstramos, pela primeira vez, esta separação de fases a partir de soluções de polifosfatos de alumínio e crômio.
 

 

 

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